«É a história de uma fada, a vida de uma fada; que quem não creia em fadas feche este livro e o arremesse para um canastro ou o reduza ao papel sumptuário de recheio da sua biblioteca, lamentando o preço certamente avultado que terá pago pela sua estrutura*. Ao proceder assim e ao não ter em conta que tudo, absolutamente tudo, neste mundo inexplicável, funciona por razões que nos escapam, o seu cepticismo antiquado, que apodaria de vitoriano, não fosse o meu respeito por essa grande rainha, privá-lo-á de se inteirar de assuntos de interesse transcendente. Lamento-o de antemão por ele: há diferentes maneiras de se ser um pobre de espírito; há diferentes maneiras de se andar pela Terra acusando-a de insípida, aborrecendo-se, deixando-se morrer de monotonia e de tédio; e uma delas - talvez a mais estulta - consiste em recusar-se a provar o sal e a pimenta ocultos que a temperam de magia.»
Manuel Mujica Lainez, O Unicórnio, Cotovia, 1990. Tradução de António Gonçalves.
* Dá-se o caso de o ter encontrado, hoje mesmo, num caixote, numa feira. Não paguei pelo livro um preço assim tão avultado, antes pelo contrário. Seja como for, não serei eu a questionar que tudo, absolutamente tudo, neste mundo inexplicável, funciona por razões que nos escapam.