Da poesia - e da escrita em geral - enquanto garrafa atirada ao mar (ou folha atirada ao fosso de um palácio):
DIRIGIDO DO RIO AOS MEUS AMIGOS DE YUEZHONG (1)
O rio, um caminho campestre
desenho de água e de tinta
por toda a parte flores silvestres de nomes desconhecidos
A partida entristece-me e sem saber como fazer chegar-vos esta mensagem
confio-a às folhas vermelhas que deslizam nas ondas da tarde (2)
Zhang Kejiu, Cinquenta "Xiaoling", Campo das Letras, 1998. Selecção e tradução de Albano Martins, a partir de Cent "Xiaoling" - Poèmes Classiques (Editions Littérature Chinoise, Collection Panda, Chine, 1996), aproveitando as notas da edição em língua francesa.
(1) Yuezhong: antigo nome da região de Hangzhou. Zhan Kejiu sobe presumivelmente de barco o curso do Fuchunjiang na direcção de sudoeste.
(2) O verso alude ao "poema na folha vermelha" de Han Shi, dama do palácio, na corte do imperador Xuan Zong, dos Tang (meados do século IX). Han Shi exprimiu o seu aborrecimento e o seu desejo de liberdade num poema escrito numa folha outonal que lançou ao fosso do palácio. Um letrado descobriu o poema a flutuar na água e guardou-o. O acaso fez com que ele casasse com Han Shi, a qual reconheceu muito tempo depois a folha vermelha entre os objectos do seu marido...
* * *
POEMA NA FOLHA VERMELHA
Como esta água corre veloz!
Confinada à ala das mulheres,
Os dias passam vazios.
Folha vermelha, ordeno-te:
Encontra alguém
No mundo dos homens.
Han Ts'ui-p'in (Séc. IX).
Versão de Rute Mota a partir da tradução inglesa, em Women Poets of China, New Directions Pub. Corp., 1982. Tradução de Kenneth Rexroth e Ling Chung. Aqui.