sábado, 26 de julho de 2008
O Génio
O génio, como o ouro e as pedras preciosas,
é apreciado principalmente pela sua raridade.
Os génios são pessoas que, com assombrosa facilidade,
escrevem extravagantes, impetuosos e ininteligíveis poemas,
e podres de bêbedos dormem pelas sarjetas.
O génio eleva quem o possui a inefáveis esferas,
do mundo vulgar distantes, e preenche a sua alma
de majestoso desprezo pelas rudes e sórdidas coisas terrenas.
É porventura à conta disto
que as pessoas que têm génio,
grosso modo, não pagam a sua passagem.
Os génios são muito especiais.
Se encontrar um jovem de cabelos desgrenhados
e ar angustiado, excêntrico no vestir,
pode tomá-lo por um génio.
Se ele denunciar a decadência de um mundo
que lisongeia a opulência trivial
em detrimento da inteligência,
será sem dúvida um génio.
Se ele for demasiado orgulhoso para aceitar ajuda
e com ar altaneiro a desdenhar,
ao mesmo tempo
que se sabe incapaz de ganhar a sua própria vida,
será com certeza um génio.
Se ele se agarrar com unhas e dentes à poesia,
muito embora a carpintaria lhe seja mais própria,
será um verdadeiro génio.
Se ele deitar fora todas as oportunidades
e depois de esgotar o afecto e a paciência dos amigos
em rimas sofríveis se lamentar da sua má sorte,
persistindo por fim,
apesar dos conselhos sensatos de pessoas ajuizadas
mas sem génio algum,
persistindo em seguir por uma rua esconsa e mal afamada,
morrendo em trapos velhos e imundos,
será sem sombra de dúvida um génio.
Mas acima de tudo,
verter destramente os delírios da loucura em verso
e apressar-se depois a embebedar-se
é o mais exacto dos diferentes sinais
de génio.
Mark Twain. Versão de Rute Mota.
25 de Abril de 1974
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