Dulcinea del Toboso
Charles Robert Leslie
daqui
Balada sobre Dons Quixotes
Perto do rio Moscovo, na rua Gluboki,
Dulcineias espreitam pela janela,
esperam a volta do trabalho
dos seus Dons Quixotes,
e, no lume azul, de centeio a ferver
fazem a sopa.
O tempo envelheceu-as um pouco - os trabalhos
fizeram-lhes pesar as pestanas, mas...
os Dons Quixotes chegam.
Sobem a escada lentamente
aos seus andares, às suas mansardas,
e os seus calcanhares batem nos degraus
e as campainhas soam como rouxinóis.
Dá-lhe as boas-vindas, Dulcineia!
Ele entra agora de andar cansado
com um ramo de lírios do vale,
sem armadura, não levando espada,
com um simples casaco de trabalho.
Dulcineia,
recordas o teu Dom Quixote
do passado?
Dulcineia,
recordas a infantaria
que passava,
com destino desconhecido,
quando, a cada momento, a morte ia ao seu encontro,
uma bala de lado lhe tocaria
a testa,
e a sua voz afogada deixaria de ouvir-se.
A panóplia de cavalaria está em todos os museus:
os museus dão cada vez mais valor às espadas,
mas
com uma granada no cinto, o rifle na mão, e:
«Não chores, Dulcineia, que eu voltarei!»
... Sim, há Dons Quixotes ainda vivos!
Em qualquer multidão roço por eles.
Sim, de madrugada oiço
botas a bater ao longo do rio.
Sim, elas olham das janelas,
sim, olham
para o brilho azul da noite inesperada
sobre a cidade.
Na rua Gluboki,
como em séculos passados,
as Dulcineias
anseiam
por um encontro de amante.
Bulat Okudjava, Poetas Russos, Relógio d'Água, 1995. Tradução e prólogo de Manuel de Seabra.
Perto do rio Moscovo, na rua Gluboki,
Dulcineias espreitam pela janela,
esperam a volta do trabalho
dos seus Dons Quixotes,
e, no lume azul, de centeio a ferver
fazem a sopa.
O tempo envelheceu-as um pouco - os trabalhos
fizeram-lhes pesar as pestanas, mas...
os Dons Quixotes chegam.
Sobem a escada lentamente
aos seus andares, às suas mansardas,
e os seus calcanhares batem nos degraus
e as campainhas soam como rouxinóis.
Dá-lhe as boas-vindas, Dulcineia!
Ele entra agora de andar cansado
com um ramo de lírios do vale,
sem armadura, não levando espada,
com um simples casaco de trabalho.
Dulcineia,
recordas o teu Dom Quixote
do passado?
Dulcineia,
recordas a infantaria
que passava,
com destino desconhecido,
quando, a cada momento, a morte ia ao seu encontro,
uma bala de lado lhe tocaria
a testa,
e a sua voz afogada deixaria de ouvir-se.
A panóplia de cavalaria está em todos os museus:
os museus dão cada vez mais valor às espadas,
mas
com uma granada no cinto, o rifle na mão, e:
«Não chores, Dulcineia, que eu voltarei!»
... Sim, há Dons Quixotes ainda vivos!
Em qualquer multidão roço por eles.
Sim, de madrugada oiço
botas a bater ao longo do rio.
Sim, elas olham das janelas,
sim, olham
para o brilho azul da noite inesperada
sobre a cidade.
Na rua Gluboki,
como em séculos passados,
as Dulcineias
anseiam
por um encontro de amante.
Bulat Okudjava, Poetas Russos, Relógio d'Água, 1995. Tradução e prólogo de Manuel de Seabra.