«-- Acrescentarei, caro senhor, -- interrompe num tom desprendido o aspirante a escritor -- que não possuo, oh! a mais leve sombra de talento. Sou de uma ausência de talento... magistral! Aquilo a que se chama um «cretino», na linguagem vulgar. O meu único talento é ser batido nos arcanos do boxe inglês e irlandês (...), que são um tanto complicados. Quanto à literatura declaro-lhe que é para mim letra morta e sepultada numa urna fechada a sete chaves.
-- Ora! é impossível! Está a agabar-se!... -- balbucia o director, evidentemente atingido no mais secreto das suas mais velhas esperanças.
-- Sou -- continua o estranho com um sorriso suave -- aquilo a que se pode chamar um pobre escrevinhador, apenas tolerável, dotado de uma ingenuidade de ideias e de uma trivialidade de estilo de primeira ordem. Uma pena banal por excelência.
-- Você? Ora, ora! Ah! Se fosse verdade!...
-- Caro senhor, juro-lhe que...
-- Vá dizer isso a outro! -- insiste o director, os olhos humedecidos e um sorriso melancólico.
Depois, fixando o jovem com uma espécie de eternecimento:
-- Pois, a juventude é sempre assim. Não duvida de nada (...). O fogo sagrado! As ilusões! Uma primeira tentativa e julgam ter atingido a meta!... Nenhum talento, diz? Mas sabe o senhor que é preciso, nos nossos dias, ser um homem dos mais notávis para não possuir qualquer talento? Um home digno de toda a consideraçãoo?... que, na maior parte dos casos, isso apenas se consegue pelo preço de mais de cinquenta anos de lutas, de trabalhos, de humilhações e de misérias e que, quando se chega lá, não se passa de um novo rico? Ó juventude! Primavera da vida! Primavera Della vita! Mas eu, caro senhor, eu, que lhe falo, há mais de vinte anos que procuro um homem QUE NÃO TENHA TALENTO!... Está a ouvir?... Nunca consegui encontrar um único. Gastei mais de meio milhão nesta caça à ave-rara: deixei-me «embalar» por este louco empreendimento! Que quer! Eu era novo, cândido, arruinei-me. Hoje em dia, toda a gente tem talento, meu caro senhor; e você tal como os outros. Nada de pretensões. Creia, é inútil. Já está fora de moda, é truque, já não pega. Sejamos sensatos.»
Villier de L'Isle-Adam (1971), «Dois Augúrios», in Contos Cruéis (trad. Fernanda Barão), Lisboa: Editorial Estampa, pp. 21-22.